domingo, 11 de maio de 2014

Entrevista com Maurício de Sousa

Entrevista realizada no dia 1º de março de 2013 para o site G1.

'Todo mundo tem um momento Mônica', diz Maurício de Sousa


G1 – A Mônica tem 50 anos, mas continua fazendo sucesso com as crianças. Por quê?
Maurício de Sousa – Porque a criança continua curiosa, sedenta de coisas interessantes, atraentes, figuras fofinhas e algum tipo de mensagem que elas entendam bem. Não que elas não entendam numa essência mais profunda. Enquanto a gente conseguir atender essa curiosidade com temas e linguagem que são do dia a dia, nós estaremos com a criança.

G1 – Quais são as razões da longevidade da Mônica?
Maurício de Sousa – Eu penso que é a humanidade do personagem. Todos foram baseados em gente que eu conheci, que vejo com transparência. Eu pego detalhes, nuances das pessoas. Elas fazem com que a malha, a rede que monta os personagens seja o mais parecida com pessoas que você conhece. Ou com você mesmo. A identificação é o forte das nossas histórias. Todo mundo conhece um Cascão, já foi a Magali, tem um momento Mônica, tem umas mancadas iguais ao Cebolinha, sonha com o local aprazível onde mora o Chico.

G1  Sua filha disse em entrevista coletiva: “Eu queria ser bonitinha, mas era baixinha, gordinha, dentuça. Depois assumi a personagem e amo ter sido a inspiradora”. Você chegou a hesitar ao atribuir alguma das características físicas à personagem?
Maurício de Sousa  Eu não! Para o pai, a filha é linda. Eu sou um “coruja” mesmo. Ela até podia ter alguma coisa assim, de que ela não gostaria, talvez. Mas, para mim, cada filho tem uma junção de características que faz da escultura final uma beleza. Cada filho meu é uma beleza pura, sob todo aspecto.

G1  Seria possível criar a Mônica no mundo de hoje? Ela tem uma marca de ingenuidade, e de convívio, que depende de circunstâncias talvez não habituais. 
Maurício de Sousa  Você me deu uma boa ideia. Qualquer dia vou tentar criar outra Mônica, para ver se hoje é possível. Criar uma personalidade meio pura. Vou ver se com outro desenho, talvez uma revista qualquer.

G1  Como seria a Mônica de hoje?
Maurício de Sousa 
 De bate-pronto, tem que ser líder. Mas uma líder, vamos dizer, complacente. O tipo de líder legal, que todo mundo quer.

G1 – Quando você criou a Mônica, imaginava que ela fosse durar tanto tempo?
Maurício de Sousa  Nunca pensei nisso. Nunca pensei em fazer sucesso, em prazos. Prefiro não pensar. O artista que pensa em prazo já se tolhe. Ele dá uma segurada no caminho da criação. O artista tem que ser fluido, tem que ser uma esponja que sinta, saiba, absorva tudo que está acontecendo pelo caminho – mas que ele continue sendo essa esponja. Quando muito, hoje, posso dizer que vou daqui uns três ou quatro anos criar a turma adulta. Porque tenho elementos para começar a montar desde agora um projeto desses.


G1  Na primeira tirinha em que apareceu a Mônica, já tinha ali algum duplo sentido, não é? De "desequilibrar" um homem. Tem a interpretação da criança, literal, mas também a do adulto. A ideia era essa?
Maurício de Sousa  Era. Mesmo porque, naquele tempo, eu desenhava no jornal. E, no início da minha carreira de desenhista, eu não desenhava para criança, mas para o leitor do jornal, que a gente entendia como um adulto. E esse adulto passava para a criança e era uma atração – criança gosta de ver criança. Depois, pelas aventuras... Mas, realmente, as primeiras histórias tinham um caráter mais entendido pelo adulto do que pela criança. O Horácio continua ate hoje assim. Mas a Turma da Mônica não, depois deu uma “baixada de bola”, para a linguagem bem coloquial. E, com isso, nós pegamos a criança e o adulto. [...].
G1  Qual o passo a passo para a criação de uma história? Qual o seu envolvimento direto?
Maurício de Sousa  Hoje é uma maquininha. Bem azeitada, com bons profissionais, que já beberam tudo que precisavam ou podiam no nosso histórico e depois saíram por aí já devidamente fertilizados. Eles mandam as histórias para mim hoje, e eu vejo todas. Hoje por exemplo foi uma noite de ver roteiros, quando vi já estava amanhecendo. Quando estou vendo roteiro, não vejo o tempo passar. E tudo é novidade ou desafio, ou até uma busca crítica. Eu tenho que ver duas vezes a história: como leitor e depois nas entranhas, como está passada a mensagem. Fazer uma correção, uma orientação. E isso tem acontecido mais ou menos com facilidade, depois desse processo. O estúdio, a parte de produção, é dirigido pela minha mulher. Ela vê a arte final, cores. [Depois] eu vejo a revista pronta. De vez em quando, puxo a orelha dela, ela detesta! [...].

G1  Tem alguma espécie de veto? Você aprova as histórias?
Maurício de Sousa  Não pode matar ninguém e não pode ter sacanagem

G1  O que seria?
Maurício de Sousa  Algum tipo de malícia que a criançada nem vai entender ou alguém vai explicar de uma maneira errada. Então, a gente dá uma suavizada em qualquer papo que tenha algum tipo de malícia, principalmente de ordem sexual. E, logicamente, comportamento. Ou orientação ética, moral, comportamental.

[...]

G1  Qual a importância de se criar personagens como, por exemplo, aqueles com necessidades especiais?
Maurício de Sousa  Nem que não houvesse necessidade, ou movimentos para inclusão. Isto foi uma falha minha desde o começo: eu me esqueci de colocar nas minhas histórias, quando na minha infância cansei de conviver com amiguinhos com necessidades especiais. Brincava normalmente. E, logicamente, a gente zoava. E também eles nos zoavam. Depois, vi movimentos de inclusão e falei: “Estou atrasado nisso”. Eu fui buscar, mas estudei bastante. Porque, querendo ou não, a gente traz dos velhos tempos alguns tipos de preconceito – você nem sabe que é preconceituoso. Aí, fui a institutos. Fui falar com os atletas paraolímpicos. Falei com o Herbert Vianna. Com o pessoal que superou esse tipo de problema, e fomos aprendendo.

G1  A “Turma da Mônica Jovem” foi uma necessidade autoimposta ou uma demanda que surgiu?
Maurício de Sousa 
 Foi estratégico, lógico. Resolvi criar a Turma, aumentando a idade, as personagens, com o visual de um mangá. Criei um “mangá caboclo” aí. No começo, eu não tinha pensado em fazer mangá. O número zero da “Jovem” é um desenho normal, não tinha nada de mangá. Mas caí na observação de que a turma estava se bandeando muito para o mangá mesmo. Então, mudei o esquema. E foi fácil para a nossa equipe, todos também estavam curtindo, eram desenhistas jovens. É nossa revista mais vendida – aliás, é a mais vendida no ocidente. A gente só perde pra umas revistas japonesas meio malucas.

G1  E o Chico Bento jovem, vai ser feito?
Maurício de Sousa  Vem aí, já estamos desenhado, os primeiros dois números estão criados. No primeiro, eu estava pensando em fazer uma história muito engajada em ecologia, mas dei uma segurada. O Chico Bento jovem vai ser um pouquinho mais velho do que a Turma da Mônica jovem, ele já tem 18 anos, já é universitário. Vai se formar em agronomia, lógico. A Rosinha vai ser veterinária. Vai ser uma história gostosa, com bastante humor.

G1  Quando vai sair?
Maurício de Sousa 
 Em abril.

G1  Hoje, há uma preocupação maior com os produtos culturais para que eles sejam politicamente corretos. Isso já chateou de algum modo? Já teve muita patrulha recente ou mesmo em décadas anteriores pelo fato de o Cascão não tomar banho, Cebolinha falar errado...?
Maurício de Sousa 
 No meu entender, a patrulha passa lá pela rua. No meu estúdio, ela não entra. O patrulhamento, às vezes burro, esquece como é que é o ser humano, como é que é a criança, quais as necessidades psicológicas da pessoa. E eu faço do meu jeito. Logicamente, já nos últimos anos muitos dos nossos hábitos foram transformados pela conscientização. Não porque há uma lei tomando conta da gente.

Fonte: http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2013/03/todo-mundo-tem-um-momento-monica-diz-mauricio-de-sousa.html

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